“- Smith! – gritou da teletela a voz da megera. – Smith W! Tu, tu mesmo! Inclina-te mais, por favor. Podes fazer mais que isso. Não, não estás te esforçando. Mais baixo!”
1984, George Orwell
A voz de comando sai do equipamento chamado Teletela, que aparece no livro 1984 como um dispositivo que “recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer barulho que Winston fizesse, mais alto que um cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no campo de visão da placa metálica, poderia ser visto também.” Esse equipamento, que surge numa novela de ficção científica distópica pode, sem muito esforço de análise, ser reconhecido como parte do dia a dia de muitos de nós, com duas diferenças: não estamos falando de aparelhos de tv (ainda), mas de dispositivos moveis; e a certeza de vigilância por um governo ditatorial que havia na obra literária, é trocada por uma desconfortável vigilância em potencial por empresas liberais.
O Continuum aborda como tema desse ano a ameaça constante ao fim da privacidade. Diante das últimas notícias sobre o tema no Brasil e no mundo: a publicação seletiva de grampos telefônicos pela justiça, longos processos envolvendo fabricantes de celulares e o FBI, vazamento de fotos íntimas e o uso constante de todo conteúdo que produzimos através de programas online para criação do nosso “perfil”. O festival tratará do tema atravessando dois aspectos críticos: o que acontece quando a privacidade é invadida sem nosso conhecimento? e, por outro lado (e não menos problemático), quais os processos sociais que estão nos levando a abrir mão intencionalmente da nossa privacidade?
H.d.Mabuse